Coisa Julgada nas Ações Coletivas

Coisa Julgada nas Ações Coletivas

Hiuri da Silva Scarpari[1]

Hermes Zaneti Júnior[2]

RESUMO

O presente trabalho analisa a coisa julgada no âmbito do processo coletivo, destacando suas individualidades e importância frente ao nosso sistema jurídico. Em um primeiro momento, apresentamos a perspectiva da coisa julgada, abrangendo seus limites objetivos e subjetivos, tanto nas demandas individuais quanto nas demandas coletivas. Compreendendo a definição e importância da coisa julgada, é aprofundado o instituto no âmbito coletivo, apresentando as suas peculiaridades, como a coisa julgada erga omnes e ultra partes que variam conforme a natureza dos direitos litigados (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos). O artigo também discute a coisa julgada secundum eventum litis e probationis, destacando suas aplicações e críticas em casos concretos. É apresentado uma revisão da aplicação dos limites territoriais da coisa julgada no processo coletivo e suas implicações no sistema judiciário, concluindo com as críticas doutrinárias aos limites objetivos e subjetivos nas tutelas coletivas e destacando sua importância no Estado de Direito conforme a Constituição de 1988.

Palavras-chave: Coisa julgada; Processo coletivo; Limites territoriais.

1.      INTRODUÇÃO

Dentre os direitos fundamentais próprios do Estado de Direito introduzidos pela Constituição Federal de 1988, foi assegurada a inviolabilidade do princípio da coisa julgada, conforme dispõe no seu artigo 5º, inciso XXXVI, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 1998). Ao redigir o dispositivo, o legislador teve o objetivo de assegurar a confiança no sistema jurídico, estabelecendo a vedação da retroatividade de leis, a bem de impedir a convivência de decisões judiciais contraditórias na mesma esfera jurídica, visando a estabilidade das decisões e, assim, assegurar que estas sejam alteradas de forma arbitrária.

Contudo, não obstante o advento deste importante instituto, a Carta Constitucional não trouxe a conceituação jurídica da figura então surgida. A definição legislativa ficou a cargo do artigo 502 do Código de Processo Civil[3], que estabelece que a coisa julgada, assim definida como autoridade que torna imutável a indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso (Pizzol, 2019).

Assim, a coisa julgada caracteriza-se pela presença de elementos consistentes com as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Isso torna inalteráveis ​​os efeitos da sentença e impossibilita a proposição de outra ação com mesmas características. Liebman (1984, p.54) concebe a autoridade da coisa julgada como a imutabilidade do comando emanado da sentença.

Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim, imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato.

A tese difundida por Liebman é a de maior aceitação da doutrina dominante de que a coisa julgada é a qualidade de imutabilidade que envolve a sentença e seus efeitos, ou seja, a qualidade que se agrega à eficácia da sentença. Sendo assim, a coisa julgada é uma consequência necessária decorrente da pratica do direito de ação em um processo (Pizzol, 2019).

Moreira (1984, p.  273-285) entende que a autoridade da coisa julgada seria o marco inicial de uma nova situação jurídica, sendo a coisa julgada o comando que emerge da sentença e não a sua eficácia.

Não se expressa de modo feliz a natureza da coisa julgada, ao nosso ver, afirmando que ela é um efeito da sentença, ou um efeito da declaração nesta contida. Mas tampouco se amolda bem à realidade, tal como a enxergamos, a concepção da coisa julgada como uma qualidade dos efeitos sentenciais, ou mesmo da própria sentença. Mais exato parece dizer que a coisa julgada é uma situação jurídica: precisamente a situação que se forma no momento em que sentença se converte de instável em estável. É a essa estabilidade, característica da nova situação jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo pensamos, quando fala da “autoridade da coisa julgada”.

Silva (2000), define o instituto da coisa julgada como a qualidade intrínseca das sentenças judiciais que as torna imunes ​​em futuras disputas, evitando a modificação ou discussão, em processo subsequente, do que o juiz declarou como a lei do caso em questão.

Para Marinoni, Arenhart, Mitidiero (2021), coisa julgada refere-se à estabilidade oferecida ao “julgamento proferido, isto é, à norma concreta, criada pela sentença para reger a situação conflituosa posta no processo”. Segundo Dinamarco (2002), “é um instituto destinado a assegurar a estabilidade das relações jurídicas e, por conseguinte, a própria segurança jurídica”.

Pizzol (2019), sustenta que a coisa julgada atribui à sentença uma característica de imutabilidade e indiscutibilidade, particularmente aplicada à sua parte dispositiva (o limite objetivo). Comumente, essa imutabilidade se aplica em relação às partes envolvidas no processo (os limites subjetivos). Essa característica pode se manifestar de duas formas: internamente, dentro do próprio processo em que a sentença foi emitida, prevenindo sua revisão neste contexto específico (coisa julgada formal); ou externamente, fora do processo original, garantindo que a sentença não seja alterada em procedimentos subsequentes (coisa julgada material).

Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023) defendem que o instituto da coisa julgada constitui o conteúdo inerente ao direito fundamental à segurança jurídica. Considerando as particularidades do sistema processual criado para a proteção desses direitos e interesses, existem distinções significativas em relação a certos institutos, como a coisa julgada, que é o foco deste estudo. A importância da análise deste tema se destaca pelo fato de que os efeitos da coisa julgada impactam diretamente na defesa dos direitos coletivos em sentido amplo, podendo, dependendo do regime legislativo adotado, comprometer a plena realização do acesso à justiça, assegurado pela Constituição.

2.      COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL

Demonstrados os entendimentos e conceitos relacionados à coisa julgada, o ponto central que se deseja destacar é que, sob qualquer circunstância, a coisa julgada constitui um objetivo fundamental do Direito Processual Civil, assegurando estabilidade e segurança jurídica à decisão de mérito que tenha alcançado o trânsito em julgado. Para melhor compreensão do estudo aqui realizado e, melhor entendimento dos tópicos a seguir, cabe trazer à baila breves conceitos de coisa julgada formal e material, dado que a estabilidade ou imutabilidade da coisa julgada pode se apresentar de duas formas, sendo, coisa julgada formal e coisa julgada material (Pizzol, 2019).

Na coisa julgada formal a indiscutibilidade da decisão judicial é formada dentro do processo, produzindo, assim, efeitos endoprocessuais, impossibilitando que as partes litigantes daquele processo que foi proferida a decisão judicial voltem a discutir a matéria julgada (Marinoni, Arenhart, Mitidiero, 2021). Apesar destes efeitos, a coisa julgada formal não obsta a propositura de uma nova demanda com o mesmo objeto já decidido.

Para Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2021, p. 601), a coisa julgada formal nada mais é que uma modalidade de preclusão (preclusão temporal), “a última do processo, que torna insubsistente a faculdade processual de rediscutir a sentença nele proferida. A coisa julgada formal constitui, portanto, o simples trânsito em julgado de determinada decisão”.

Já a coisa julgada material impede a propositura de uma nova ação que tenha por objeto a lide discutida e decidida ao fim dos autos do processo. Seus efeitos se operam para fora, para além daquele processo em que foi proferida a decisão judicial, produzindo, assim, efeitos extraprocessuais (PIZZOL 2019). Denominada como “verdadeira coisa julgada” por Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2021, p. 601), a coisa julgada material “refere-se à estabilidade oferecida ao julgamento proferido, isto é, à norma concreta, criada pela sentença para reger a situação conflituosa posta no processo”.

Muito embora a importância de tais conceitos, Gidi (1995, p. 10) afirma que:

Diz-se comumente que “a coisa julgada formal decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida”, e que a coisa julgada material, ao contrário, consiste na imutabilidade da sentença com efeitos para fora do processo em que foi proferida. Diz -se, também, que são degraus de um mesmo fenômeno, sendo a formação da coisa julgada material condicionada à formação da coisa julgada formal.

Muitas vezes, porém, na tentativa de explicar determinados fenômenos, os estudiosos tomam os seus efeitos como se fossem a sua causa, dificultando, assim, o entendimento mais preciso do assunto.

As coisas ficariam bem mais simples se disséssemos que ambos os fenômenos são uma espécie de preclusão; que a coisa julgada formal é uma preclusão comum, como outra qualquer (gerada pelo simples fato da preclusão dos recursos ou dos prazos de recurso), e que a coisa julgada material ocorre sempre que a lide (o mérito, que, em geral, se reporta ao direito substancial ou material) seja julgada. É exatamente por esse motivo que a doutrina estrangeira se utiliza, com frequência, de sinônimo muito mais expressivo para designá-la: coisa julgada substancial. Mas isso tema que merece um desenvolvimento detido à parte.

Diante dos breves conceitos apresentados, continuaremos na formação do trabalho a ser desenvolvido.

3.      LIMITES DA COISA JULGADA 

Para compreender o regime de coisa julgada, é fundamental analisar três elementos-chave: 1) os limites subjetivos, ou seja, quem está sujeito à coisa julgada; 2) os limites objetivos, que determinam o que está sujeito aos seus efeitos; 3) e o processo de formação, isto é, como a coisa julgada é estabelecida.

3.1.            LIMITES OBJETIVOS

A coisa julgada está sujeita aos limites objetivo e subjetivo. Pizzol (2019) afirma que, em relação aos limites objetivos, a coisa julgada abrange apenas a parte dispositiva da sentença ou do acórdão, possuindo força de lei dentro dos limites da questão principal expressamente decidida. Ou seja, ela não se estende aos fundamentos, mesmo que sejam essenciais para definir o alcance da parte dispositiva, nem à verdade dos fatos estabelecida como base da decisão.

Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023) entendem que, em relação aos limites objetivos da coisa julgada, a regra é que o conteúdo da norma jurídica individualizada, resultante do dispositivo que decide o pedido (a questão principal), seja sujeito à coisa julgada. No entanto, é possível que a coisa julgada também abranja a resolução das questões prejudiciais incidentes mencionadas na fundamentação da decisão, desde que atendidos os requisitos estipulados nos parágrafos 1º e 2º do artigo 503 do Código de Processo Civil[4]. A solução das demais questões na fundamentação (incluindo a análise de provas) não são resolvidas de maneira definitiva pela coisa julgada. Portanto, apenas a questão principal resolvida está submetida à coisa julgada material, fenômeno ao qual se confere a denominação de limite objetivo da coisa julgada.

Desta forma, a resolução de questões presentes na fundamentação não está sujeita à coisa julgada, uma vez que se refere à decisão sobre questões incidentais. Essa conclusão é indiscutível devido ao estabelecido no artigo 504 do Código de Processo Civil, quando determina que não fazem coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença e a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença (CPC, 2015).

Ainda, e por fim, quanto ao seu modo de produção, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023, p. 519) apontam que há três diferentes tipos de coisa julgada. Em primeiro, a coisa julgada pro et contra, que se forma independentemente do resultado do processo e do teor da decisão judicial proferida. Pouco importa se a decisão é de procedência ou improcedência, a decisão definitiva sempre será capaz de produzir coisa julgada. Essa é a regra geral, amplamente difundida nos países latino-americanos.

Em segundo, a coisa julgada secundum eventum litis, que somente é produzida quando a demanda é julgada procedente. Se a ação for julgada improcedente, ela poderá ser reproposta, pois a decisão não produzirá coisa julgada material. Este regime não é bem visto pela doutrina, pois trata as partes de forma desigual, colocando o réu em posição de desvantagem.

Por terceiro, há ainda a coisa julgada secundum eventum probationis, que só se forma em caso de esgotamento das provas. Se a demanda for julgada procedente, é sempre com o esgotamento de prova. Se for julgada improcedente por insuficiência de provas, não haverá coisa julgada material.

3.2.            LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

O Código de Processo Civil, nos termos do artigo 506[5][6], conceitua os limites subjetivos da coisa julgada, como sendo aquela que só alcança as partes que integraram a relação jurídica processual, não atingindo terceiros.

 Quanto aos limites subjetivos, a coisa julgada pode ser categorizada em três formas: inter partes, ultra partes e erga omnes.

A coisa julgada inter partes vincula apenas as partes do processo, tornando indiscutíveis as questões apenas para aquelas envolvidas no litígio. Essa é a regra geral usual nos casos de processos individuais. A coisa julgada ultra partes se estende além das partes do processo e afeta terceiros específicos. Os efeitos da coisa julgada alcançam terceiros que não participaram diretamente do processo, como nos casos de substituição processual, nos quais o substituto, embora não seja parte no processo, tem sua esfera de direitos afetada pelos efeitos da coisa julgada. Por fim, a coisa julgada erga omnes é aquela cujos efeitos atingem a todos, independentemente de sua participação no processo. Isso ocorre, por exemplo, nos casos de decisões originadas em processos de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC e ADPF) (Didier Jr., Zaneti Jr., 2023).

Na concepção de Pizzol (2019), diferentemente da forma como ocorre no procedimento individual, na tutela coletiva o limite subjetivo alcança a coletividade (direito difuso; coisa julgada erga omnes) ou todos os integrantes do grupo, classe ou categoria (direitos coletivos stricto sensu; coisa julgada ultra partes) ou toda as pessoas unidas por uma pela origem comum (direito individual homogêneo; coisa julgada erga omnes).

4.      COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO

A coisa julgada no processo coletivo se diferencia do processo individual se tornando um dos aspectos mais peculiares da tutela jurisdicional coletiva (Didier Jr. e Zaneti Jr., 2023). No processo coletivo o instituto da coisa julgada está previsto no Código de Defesa do Consumidor. O artigo 103 do CDC disciplina a coisa julgada nas demandas coletivas, funcionando como regra geral do microssistema da tutela coletiva.

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Grinover (1991, np.), ensina que “O art. 103 contém toda a disciplina da coisa julgada nas ações coletivas, seja definindo seus limites subjetivos (o que equivale a estabelecer quais as entidades e pessoas que serão alcançadas pela autoridade da sentença passada em julgado), seja determinando a ampliação do objeto do processo da ação coletiva, mediante o transporte, in utilibus, do julgado coletivo às ações individuais”.

De acordo com Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023) o regime jurídico da coisa julgada é o conjunto de normas que dá forma, definição e características específicas a esse fenômeno. O regime de coisa julgada coletiva é notavelmente distinto do processo individual, destacando-se como um dos elementos mais singulares na jurisdição coletiva. Suas regras levam em consideração a natureza do direito a ser discutido, bem como o resultado obtido no processo.

A análise sobre a coisa julgada em litígios coletivos busca estabelecer quem são os indivíduos alcançados por uma decisão judicial definitiva e como isso afeta individualmente cada um. É crucial entender a extensão do efeito da coisa julgada em casos coletivos, considerando que sua influência varia dependendo do resultado do processo e da natureza do direito em questão.

No âmbito da tutela coletiva existem diversas espécies de coisa julgada a depender da natureza do direito material litigioso e do resultado da demanda. Como mencionado anteriormente, o Código de Defesa do Consumidor emprega diferentes termos para diferenciar os efeitos da coisa julgada, dependendo de seu impacto sobre as partes envolvidas e os titulares do direito material (coisa julgada erga omnes e coisa julgada ultra partes) sendo encontradas na doutrina e na jurisprudência outras denominações para a coisa julgada coletiva, como coisa julgada secundum eventum litis e coisa julgada secundum eventus probationis.

Portanto, a compreensão dos efeitos subjetivos e objetivos da coisa julgada, bem como sua extensão, exige uma análise detalhada de vários aspectos do processo coletivo, incluindo a natureza do direito transindividual em questão (difuso, coletivo ou individual homogêneo) e o resultado do processo (extinção sem resolução de mérito, procedência, improcedência ou improcedência por falta de provas). Em cada caso, a extensão dos efeitos da coisa julgada varia em relação a terceiros não envolvidos na disputa, aos autores habilitados a iniciar a ação coletiva e aos que participaram do contraditório coletivo.

  • COISA JULGADA COLETIVA: DIREITOS DIFUSOS OU COLETIVOS

Os direitos difusos caracterizam-se por serem transindividuais de forma subjetiva, apresentando uma indeterminação dos sujeitos envolvidos e possuindo uma natureza indivisível. Isso significa que o direito protegido não pode ser realizado ou violado exceto de maneira coletiva, conforme argumenta Zavascki (2017). Os titulares desses direitos estão interconectados por circunstâncias fáticas específicas, o que reforça a sua indivisibilidade e a necessidade de tutela coletiva.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor, prevê no seu artigo 103, inciso I, que a coisa julgada nos processos que versem sobre direitos difusos terá efeitos erga omnes, oponível contra todos, salvo quando o processo for julgado improcedente por insuficiência de provas.

Por outro lado, os direitos coletivos stricto sensu, conforme definidos por Zavaski (2017), referem-se a direitos de caráter transindividual de natureza indivisível. Os titulares desses direitos são relativamente determináveis e consistem em um grupo, categoria ou classe de indivíduos unidos por uma relação jurídica fundamental. Apesar da semelhança com os direitos difusos, enquanto que naqueles a coisa julgada opera-se erga omnes, aqui, a coisa julgada opera-se ultra partes, ou seja, para além das partes no processo, atingindo somente o grupo de indivíduos lesados ou coligados por afinidade. Explico: a sentença coletiva pode ser, também e somente, meramente declaratória de relação jurídica não, necessariamente e sempre, com conteúdo patrimonial.

Sobre esta distinção, importante citar Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023, p. 521):

Bem pensadas as coisas, a coisa julgada é erga omnes ou ultra partes porque a situação jurídica litigiosa é coletiva. Como se trata de situação jurídica titularizada por um grupo, todo o grupo, e por consequência os seus membros, fica vinculado à coisa julgada. A coisa julgada diz respeito apenas à relação jurídica discutida, que, pelas suas peculiaridades, é uma relação jurídica de grupo. A premissa ajuda a compreender a razão pela qual a distinção entre ultra partes e erga omnes, no caso, é um tanto cerebrina: a coisa julgada atingirá todo o grupo, e seus membros; se o grupo é composto por pessoas indeterminadas, direito difuso, ou se ele é composto por pessoas determináveis, direitos coletivos, é dado sem maior importância, pois a coisa julgada sempre vinculará o grupo e os seus membros; de toda sorte, como referimos, trata-se de parâmetro legal. Esse parâmetro irá auxiliar mais adiante na identificação da coisa julgada nos direitos individuais homogêneos.

Pizzol (2019, p. 415), discorre que tanto no direito difuso, quanto no direito coletivo, nos termos do § 1º do ao artigo 103 do CDC, “Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe”, ou seja, os indivíduos não ficarão impedidos de ingressar com ações individuais no intuito de obter o reconhecimento do seu direito individual. É dizer, mesmo que a demanda proposta tenha sido julgada improcedente, esta pode ser novamente proposta, lastreada em nova prova[7], de qualquer espécie, seja ela documental, testemunhal ou pericial, sendo esta nova prova suficiente para um novo juízo de direito acerca da questão de fundo, a prova tem que possibilitar um novo resultado (Didier Jr. e Zaneti Jr., 2023). Assim, essa opção legislativa estabeleceu o regime da coisa julgada secundum eventum probationis.

Embora a coisa julgada secundum eventum probationis se aplique em casos de improcedência por suficiência de provas, onde os requisitos necessários são atendidos, existe uma limitação importante imposta pelo parágrafo primeiro do artigo 103 do CDC. Este dispositivo legal proíbe que os efeitos dessa decisão se estendam a todas as pessoas (erga omnes), evitando assim que outras partes não envolvidas no processo sejam prejudicadas por uma decisão na qual a suficiência das provas foi o fator determinante (Didier Jr. e Zaneti Jr. 2023). Assim, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023, p. 523) afirmam que “não é correto, portanto, dizer que a coisa julgada coletiva é secundum eventum litis; o que é segundo o resultado do litigio é a sua extensão, apenas para beneficiar os titulares dos direitos individuais”.

Assim, podemos concluir que o Código de Defesa do Consumidor adota a técnica da coisa julgada com extensão de seus efeitos erga omnes em casos envolvendo direitos difusos. Para direitos coletivos stricto sensu, por outro lado, o legislador decidiu que os efeitos da sentença se estenderão ultra partes, impactando apenas o grupo, categoria ou classe específicos. Contudo, em ambas as situações, se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, essa extensão dos efeitos não se aplica.

  • COISA JULGADA COLETIVA: DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O artigo 81, parágrafo único, III do CDC, traz a definição dos direitos individuais homogêneos pelo legislador, como sendo aqueles decorrentes da origem comum (Leonel, 2021).

Os efeitos da coisa julgada para direitos individuais homogêneos são distintos dos efeitos para direitos difusos e coletivos. Enquanto os direitos difusos e coletivos são intrinsecamente transindividuais, demandando proteção através de entidades representativas em ações coletivas, os direitos individuais homogêneos não são transindividuais por natureza. Estes últimos consistem em interesses individuais que apenas devido à sua origem comum, uniformidade e relevância social, podem ser abordados coletivamente através de processos judiciais coletivos (Zavaski, 2017).

Na concepção de Zavaski (2017, p. 151, 152), os direitos individuais homogêneos não se enquadram como um novo direito material e sim de uma nova expressão para classificar certos direitos subjetivos individuais.

Homogeneidade não é sinônimo de igualdade, mas de afinidade. Direitos homogêneos não são direitos iguais, mas similares. Neles é possível identificar elementos comuns (núcleo de homogeneidade), mas também, em maior ou menor medida, elementos característicos e peculiares, o que os individualiza, distinguindo uns dos outros (margem de heterogeneidade). O núcleo de homogeneidade decorre, segundo visto, da circunstancia de serem direitos com origem comum; e a margem de heterogeneidade está relacionada a circunstâncias variadas, especialmente a situação de fato, próprias do titular.

Os elementos minimamente essenciais para a formação do núcleo de homogeneidade decorrem de causas relacionadas com a gênese dos direitos subjetivos. Tratam-se de direitos originados da incidência de um mesmo conjunto normativo sobre uma situação fática idêntica ou assemelhada. Essa circunstância genética produz um conjunto de direitos subjetivos com, pelo menos, três aspectos fundamentais de identidade: (a) o relacionamento à própria existência da obrigação, (b) o que diz respeito à natureza da prestação devida e (c) o concernente ao sujeito passivo (ou aos sujeitos passivos), comuns a todos eles.

Por estas razões, a decisão que trata de direitos individuais homogêneos aborda as reivindicações individuais de forma uniforme. Sendo assim, por possuir natureza de direito individual, sua tutela pela via coletiva não retira a possibilidade de serem tutelados individualmente (Zavaski, 2017). Assim, as demandas coletivas fundadas em direitos individuais homogêneos farão, conforme preceitua o artigo 103, III, do Código de Defesa do Consumidor coisa julgada erga omnes apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todos os implicados nessa relação jurídica.

Da mesma forma, as ações coletivas que visam proteger direitos individuais homogêneos se destacam não só pelo seu efeito erga omnes, mas também porque estão sujeitas à coisa julgada secundum eventum litis. Isso implica que a coisa julgada material com eficácia erga omnes só ocorrerá quando houver um julgamento favorável, beneficiando assim os indivíduos que detêm o direito em questão, ou seja, os sujeitos titulares do direito (in utilibus) (Arenhart e Osna, 2022).

Resumindo, na coisa julgada secundum eventum litis, as pretensões individuais dos particulares beneficiam-se das vantagens advindas da decisão de procedência da demanda coletiva, tendo, assim, efeito erga omnes. De outro modo, em caso de improcedência da ação coletiva, as pretensões individuais dos particulares não são prejudicadas, ou seja, somente são abrangidos secundum eventum litis. Nesse caso a existência de sentença coletiva desfavorável não obsta a que os indivíduos enquadrados na hipótese fática ou jurídica, objeto da ação coletiva, promovam suas ações individuais. Nessa linha, segue o exemplo trazido por Theodoro Jr. (2015, pág. 1121)

…numa demanda coletiva foi declarado improcedente o pedido de retirada do mercado de um produto medicinal por nocividade à saúde pública, tendo a sentença proclamado que o medicamento não era danoso. Haverá coisa julgada suficiente para impedir que qualquer nova ação coletiva venha a ser aforada contra o fabricante em torno do aludido produto, mesmo que outro seja o legitimado. Isto, todavia, não impedirá que um determinado consumidor, reputando-se lesado pelo medicamento, venha a ajuizar uma ação indenizatória individual.

5.      CASO VIOXX

O julgamento do Recurso Especial nº. 1.302.596/SP, abordou uma situação jurídica envolvendo a proteção de direitos individuais homogêneos, na qual o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a coisa julgada secundum eventum probationis não se aplicava a esses direitos, diferentemente dos direitos difusos e coletivos, segundo uma interpretação estrita dos artigos 103 e 104 do CDC.

Cabe apresentarmos um breve resumo do ocorrido no caso apresentado. Em 2004, uma associação de consumidores do Rio de Janeiro ingressou com uma ação civil pública contra uma indústria farmacêutica, pedindo indenizações por danos materiais e morais devido aos prejuízos à saúde causados pelo medicamento Vioxx, comercializado de 1999 até sua retirada do mercado em 2004. A acusação era que a empresa estava ciente dos riscos elevados e, ainda assim, manteve a sua comercialização. A ação foi julgada improcedente em primeira instância, decisão que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça em 2008, destacando que se tratava de direitos individuais homogêneos.

O acórdão levou em consideração diversas provas, incluindo um documento da ANVISA que indicava um risco aumentado de problemas cardiovasculares após 18 meses de uso do medicamento, mas concluiu que as informações disponíveis na bula não representavam um risco absoluto, apenas uma potencialidade. Em 2009, após divulgação de acordos em ações coletivas nos Estados Unidos envolvendo o mesmo medicamento, outra associação de consumidores de São Paulo moveu uma segunda ação civil pública idêntica, que foi negada em primeira instância por existir coisa julgada da primeira ação, com a justificativa de que a conduta dos réus não configurava ilicitude que justificasse indenização.

O caso foi levado ao STJ, que manteve a decisão original. Embora houvesse um voto divergente, o entendimento predominante diferenciou a tutela de direitos difusos e individuais homogêneos, baseando-se na leitura literal do artigo 103, III, do CDC, que não prevê a aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis para direitos individuais homogêneos. O relator do voto vencedor argumentou que, devido ao mecanismo que permitem a convocação dos interessados, estes têm a oportunidade de participar mais ativamente da fase probatória, aproximando-os dos fatos em comparação aos direitos difusos e coletivos. Segue a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO COLETIVO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. MEDICAMENTO “VIOXX”. ALEGAÇÃO DE DEFEITO DO PRODUTO. AÇÃO COLETIVA JULGADA IMPROCEDENTE. TRÂNSITO EM JULGADO. REPETIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 81, INCISO III, E 103, INCISO III E § 2º, DO CDC. RESGUARDO DO DIREITO INDIVIDUAL DOS ATINGIDOS PELO EVENTO DANOSO. DOUTRINA.

1. Cinge-se a controvérsia a definir se, após o trânsito em julgado de decisão que julga improcedente ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos, é possível a repetição da demanda coletiva com o mesmo objeto por outro legitimado em diferente estado da federação.

2. A apuração da extensão dos efeitos da sentença transitada em julgado proferida em ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos passa pela interpretação conjugada dos artigos 81, inciso III, e 103, inciso III e § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.

3. Nas ações coletivas intentadas para a proteção de interesses ou direitos individuais homogêneos, a sentença fará coisa julgada erga omnes apenas no caso de procedência do pedido. No caso de improcedência, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

4. Não é possível a propositura de nova ação coletiva, mas são resguardados os direitos individuais dos atingidos pelo evento danoso.

5. Em 2004, foi proposta, na 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro/RJ, pela Associação Fluminense do Consumidor e Trabalhador – AFCONT, ação coletiva com o mesmo objeto e contra as mesmas rés da ação que deu origem ao presente recurso especial. Com o trânsito em julgado da sentença de improcedência ali proferida, ocorrido em 2009, não há espaço para prosseguir demanda coletiva posterior ajuizada por outra associação com o mesmo desiderato.

6. Recurso especial não provido.

Enfatizando seus argumentos defendidos em sua doutrina de que a “ação para a tutela de direitos individuais homogêneos é ação coletiva, tutela de direito coletivo, e não tutela de direitos individuais,”, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023, p. 525-528), afirmam que o voto vencedor “não andou bem em razão de este ter deixado de estender a regra da coisa julgada secundum eventum probationis aos direitos individuais homogêneos,” e que a decisão do Superior Tribunal de Justiça “bloqueou a revisão da coisa julgada” formada por uma ação coletiva anterior que “ainda não possuía as informações necessárias para enfrentar a questão do ponto de vista técnico-científico”, o que teria ocorrido “na tutela norte-americana, neste ponto, mais eficiente que a nossa.”

Ora, na fase de conhecimento, a primeira fase da tutela dos direitos individuais homogêneos, ou seja, a fase em que se verifica o núcleo de homogeneidade (como demonstrado no RE 631.111/GO, no voto do Min. Teori Zavascki), não há qualquer preocupação com as pretensões dos indivíduos, a tutela será da pretensão genérica que atinge o grupo como um todo, os indivíduos serão atingidos apenas em benefício e não farão parte do processo, salvo raríssimas exceções. Quando ocorre a raríssima exceção da intervenção, do indivíduo o processo o atingirá pro et contra (art. 103, par. 2º do CDC).  

6.      COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM LITIS

No direito processual civil individual, os limites da coisa julgada são definidos pelo conteúdo decisório da sentença e pelas partes envolvidas no processo onde essa decisão foi tomada (embora haja exceções a essa regra[8]). Já na esfera coletiva, devido a suas particularidades, foi preciso adaptar esse conceito. Além disso, a doutrina tem discutido a flexibilização da coisa julgada como uma exceção.

Através dos mecanismos processuais da tutela coletiva, protege-se os interesses da sociedade como um todo. Ações populares e ações civis públicas expandem o alcance da coisa julgada, que pode alcançar todos os membros da sociedade, mesmo aqueles que não estavam diretamente envolvidos no processo, com efeitos erga omnes ou ultra partes.

Quanto à coisa julgada, ela se aplica conforme o resultado do litígio. A ação popular, por exemplo, foi uma inovação no direito brasileiro para a proteção de interesses coletivos, produzindo efeitos erga omnes, exceto quando a ação é julgada improcedente por falta de provas. Neste caso, a decisão tem apenas efeito formal, permitindo que a mesma ação seja reajuizada com novas provas (conforme o art. 18 da Lei n. 4.717/1965).

A ação civil pública segue uma lógica similar, com a coisa julgada também dependendo do resultado do processo. Este tratamento é agora regulado também pelos artigos 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor, que são mais abrangentes do que o artigo 16 da Lei 7.347/85. Devido à interação entre estas normas, sua aplicabilidade estende-se a qualquer ação civil pública (art. 21 da Lei n. 7.347/85).

Na tutela coletiva, há interesse público que orienta a propositura, a condução e o desfecho da lide, atraindo a necessidade de os limites subjetivos da coisa julgada, em certas hipóteses, serem ampliados para alcançar pessoas que não fizeram parte da demanda (Almeida, 2014).

Nessa linha, conforme prevê o artigo 103, § 1º do CDC, os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II do mesmo dispositivo, não prejudicarão interesses individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, classe ou categoria. Isso significa que, quando uma situação fática jurídica gera efeitos tanto no âmbito coletivo quanto individual, e uma ação coletiva é julgada improcedente por qualquer razão, os indivíduos não ficam vinculados a esse resultado e podem propor suas próprias ações individuais livremente. A única decisão que os afeta é a de procedência, pois ela os beneficia diretamente, essa é a chamada coisa julgada secundum eventum litis. Nesse caso, o indivíduo pode aproveitar essa sentença coletiva, liquidá-la em seu local de residência e, em seguida, executá-la, o que elimina a necessidade de passar pelo processo de conhecimento novamente (Neves, 2021).

Sob a ótica de Mancuso (2007, p. 269):

Preocupou-se o legislador brasileiro com a exigência do tratamento isonômico às partes, e bem assim com a proteção ao tertio, na delicada imbricação dos planos coletivo e individual, ambiente que releva de bases constitucional e processual (CF, art. 5°, caput e inciso LV; CPC, art. 125, I). Assim, estabeleceu-se um regime que, no limite do possível, busca dar um certo equilíbrio naquela zona de fronteira: (i) sendo julgada improcedente a ação coletiva após prova plena e cognição exauriente, opera-se a coisa julgada material e já outra e análoga demanda coletiva não poderá ser (re)proposta – nem mesmo por outro co-legitimado ativo – contra os que integraram o pólo passivo; (ii) todavia, dado que entre essa ação coletiva e as “paralelas” ações individuais não há identidade de elementos (os tria eadem: partes, pedido, causa), tem-se que, ainda naquela primeira hipótese, poderá o integrante do pólo passivo vir a ser eventualmente demandado, agora em ações individuais propostas pelos sujeitos que não aderiram ao pleito coletivo.

Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023, p. 533), discorrem que a extensão da coisa julgada coletiva à esfera individual que é secundum eventum litis apenas para beneficiar os titulares dos direitos individuais, sofreu inúmeras críticas doutrinárias pelos seguintes motivos: “a) risco de exposição infinita do réu da ação coletiva a ações individuais; b) ofensa à isonomia, à segurança jurídica e estabilidade em situações jurídicas idênticas; e c) não resolução do problema da sobrecarga do Poder Judiciário (economia processual”. Assim, mesmo com a expressa previsão contida no artigo 103 do CDC, alguns juristas entendem ser “mais adequada constitucionalmente a extensão erga omnes da eficácia da sentença”. Essa abordagem claramente busca garantir o devido processo legal em favor do réu, considerando o grande prejuízo que ele poderia sofrer, além da insegurança inerente de poder ser processado múltiplas vezes pelo mesmo fato. Todavia, no processo coletivo brasileiro isso não ocorre, conforme ensinamentos de Didier Jr. e Zaneti Jr. “A coisa julgada se forma pro et contra, para todos os colegitimados, não importando nem mesmo o nome da ação ou qual seja o colegitimado no polo ativo. Julgada improcedente no mérito, não se pode repropor a demanda coletiva”.

Gidi (1995, p. 73), entende errônea a denominação de coisa julgada secundum eventum litis, por conta de que sempre haverá formação de coisa julgada, independentemente do resultado da lide.

Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra.

O que diferirá, de acordo com o “evento da lide, não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão erga omnes ou ultra partes à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva (é o que se chama extensão in utilibus da coisa julgada).

Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023, p. 537) destacam que as críticas doutrinárias sobre a não-vinculação dos indivíduos em caso de improcedência da ação coletiva são, em grande medida, solucionadas pelo Código de Processo Civil.

a) o modelo de julgamento de casos repetitivos (art. 928, CPC); b) a vinculação aos precedentes judiciais e 927, CPC). Isso ocorre, porque essas duas novas formas de vinculação dos membros do grupo respondem aos problemas apontados no início deste item, mesmo que sem a definitividade da coisa julgada. O julgamento de casos repetitivos, como espécie do modelo brasileiro de processo coletivo, aplica a tese a todos os processos pendentes que discutam a mesma questão de direito e os precedentes judiciais que decorrem do stare decisis e do modelo de precedentes obrigatórios do CPC vincularão para todos os casos futuros, sejam individuais ou coletivos.

A partir do CPC/ 2015, convivem no processo coletivo brasileiro duas formas de vinculação dos indivíduos: extensão secundum eventum litis do resultado favorável da ação coletiva, apenas para beneficiar os titulares dos direitos individuais, e a vinculação pro et contra da tese de julgamento de casos repetitivos, para os casos atuais (art. 985, I, CPC), e dos precedentes, para os casos futuros (arts. 926, 927 e 985, II, CPC).

Por fim, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023) indicam um último critério de vinculação decorrente da suspensão dos casos individuais para julgamento do processo coletivo, citando o julgado REsp n. 1.10.549-RS, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, no qual decidiu que “ajuizada ação coletiva atinente à macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais no aguardo do julgamento da ação coletiva”[9]

7.      TRANSPORTE IN UTILIBUS DA COISA JULGADA

O Código de Defesa do Consumidor permitiu que a coisa julgada formada no processo coletivo possa estender seus efeitos às demandas individuais, por meio do transporte in utilibus da coisa julgada. O artigo 103, § 3° do Código de Defesa do Consumidor assim disciplina:

Artigo 103, § 3°Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

Quando uma ação envolvendo direitos difusos resulta em sentença favorável, essa decisão, em regra, beneficia os interesses coletivos, mas não se estende automaticamente a cada indivíduo por ela afetado. Contudo, conforme estabelecido no artigo 103, §3º, indivíduos prejudicados podem se valer dessa sentença para a sua liquidação, comprovando o dano, o nexo causal entre o dano e a responsabilidade definida na sentença coletiva, além do valor devido. Posteriormente, podem executar essa sentença. Dessa forma, é possível que a coisa julgada derivada do processo coletivo seja utilizada aplicada para benefício individual, mesmo que não tenha sido originalmente pleiteada como uma demanda de natureza individual homogênea. (Pizzol, 2019).

A projeção da coisa julgada in utilibus para os sujeitos que foram afetados em sua esfera individual por dano causado a bem difuso ou coletivo poderá ocorrer, conforme ensinamentos de Grinover (2022, pp. 1.948-1.949):

Imagine-se uma ação indenizatória pelos danos ocasionados ao ambiente, indivisivelmente considerado. Julgada improcedente a demanda, poderão as vítimas intentar suas ações de conhecimento, pleiteando, a título individual, a reparação pelos prejuízos pessoalmente sofridos, oriundos daquela lesão ao ambiente que não foi reconhecida na sentença. Nenhuma exceção há, aqui, à teoria clássica da coisa julgada, pois não se trata de ações idênticas, pela diversidade do objeto. E a coisa julgada, nas ações individuais, atuará normalmente inter partes.

Se, porém, a ação coletiva for julgada procedente, a coisa julgada aproveitará às vítimas e seus sucessores: aqui, não se dá apenas a extensão subjetiva da coisa julgada aos terceiros, como também a ampliação do objeto do processo, ope legis, de modo a considerar-se o dever de indenizar como parte do pedido.

Importante destacar que, conforme o artigo 104 do CDC, há a possibilidade de ajuizamento de ação individual mesmo que pendente ação coletiva para a tutela de direitos difusos, coletivo e individual homogêneo, sendo, para tanto, necessário que o autor da ação individual requeira a suspensão dessa no prazo de 30 dias, a contar da ciência da ação coletiva.

Na concepção de Macuso (2007), a tramitação em paralelo de ação coletiva e ações individuais atende a garantia constitucional do acesso à justiça. Assim, ainda que se trate de conflitos cuja natureza ou dimensão enseje o trato judicial coletivo, não se pode “obstar as paralelas iniciativas dos sujeitos concernentes ao tema, seja quando estes decidam se litisconsorciar ao pleito coletivo (CDC, art. 94), seja quando optem por ajuizar suas próprias ações” (Macuso, 2007, p. 347).

Referentemente à suspensão do processo individual, conforme estabelecido no artigo 104 do CDC, essa deve ser requerida no prazo de 30 dias a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação. Discorre Grinover (2022, pp. 1.960-1.962):

Todavia, o Código oferece duas opções ao demandante a título individual: a) pretendendo o autor prosseguir em sua ação individual, ficará excluído da decisão a ser proferida na ação coletiva. Mesmo sendo ela favorável e projetando-se seus efeitos erga omnes ou ultra partes (nos termos dos incs. I a III do art. 103, c/c seus §§ 1º e 2º), o autor que já pôs em juízo sua ação individual e que pretenda vê-la prosseguir em seu curso não será beneficiado pela coisa julgada que poderá eventualmente formar-se na ação coletiva. A ação individual pode continuar seu curso, por inexistir litispendência, mas o autor assume os riscos do resultado desfavorável (excepcionando expressamente o Código ao princípio geral da extensão subjetiva do julgado, in utilibus);

b) se o autor preferir, poderá requerer a suspensão do processo individual, no prazo de 30 dias a contar da ciência, nos autos, do ajuizamento da ação coletiva. Nesse caso, será ele beneficiado pela coisa julgada favorável que se formar na ação coletiva. Sendo improcedente a ação coletiva, o processo individual retomará seu curso, podendo ainda o autor ver acolhida sua demanda individual. Tudo coerentemente com os critérios da extensão subjetiva do julgado secundum eventum litis adotados pelo Código.

Na sequência, Grinover (2023, p. 1.961), afirma que a suspensão do processo individual, no caso da alínea b, acima mencionada, não possui limites temporais, perdurando pelo tempo necessário ao trânsito em julgado da sentença coletiva.

Será possível, ao autor que requereu a suspensão do processo individual, solicitar seu prosseguimento, antes do julgamento da ação coletiva? A hipótese é perfeitamente imaginável, como no caso de superveniência de uma sentença desfavorável de primeiro grau, a prenunciar a formação de uma coisa julgada negativa na ação coletiva. O Código não enfrenta explicitamente a questão, cuja resposta pode, porém, ser encontrada nos seus próprios princípios: assim, todo o enfoque da nova lei, como instrumento de proteção e defesa do consumidor (art. 1º), com o reconhecimento de sua vulnerabilidade (art. 4º, inc. I), aliado à previsão da “facilitação da defesa de seus direitos” (art. 6º, inc. VIII), leva a responder afirmativamente à indagação supra. Observe-se, finalmente, que a regra do § 1º do art. 22 da Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009) destoa do disposto no CDC, quando determina: “O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se este não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva”. Muito mais drástica a regra especial.

Assim, verifica-se que no processo coletivo é rompida a ideia nuclear do Código de Processo Civil no que tange à sistemática dos limites subjetivos da coisa julgada. Aquilo que é exceção no Código de Processo Civil é a regra nas tutelas coletivas, fazendo parte da própria essência e finalidade do processo coletivo.

8.      COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS.

A coisa julgada secundum eventum probationis significa a imutabilidade da decisão segundo a cognição possível ao tempo da tramitação da ação, sendo permitida a rediscussão da causa se, em função do avanço da ciência, resultar prova superveniente, surgida após o trânsito em julgado, com capacidade de alterar o resultado do primeiro processo. A imutabilidade, portanto, se restringe ao conjunto probatório colacionado aos autos, restando imunes as provas tecnologicamente novas, o que poderá ser feito por meio do ajuizamento de nova ação (Zufelato, 2011).

Dessa noção depreende-se que a característica marcante da coisa julgada secundum probationem é exatamente a sua rescindibilidade mediante a existência de meio de prova superveniente, que em razão do avanço científico é capaz de alterar de modo substancial o julgamento anterior. Logo vê-se, portanto, que o expediente não é exclusivo das ações coletivas (Zufelato,2011). A coisa julgada secundum eventum probationis tem uma relação muito estreita com a espécie de cognição empregada para a análise do conjunto probatório; em outras palavras, a coisa julgada no processo coletivo utiliza um dos modos referentes ao uso de técnica de cognição secundum eventum probationis para permitir a propositura de outra ação, sem com isso ferir o cânone da segurança jurídica representado pela coisa julgada.

Segundo Zufelato (2011), a técnica do julgado secundum eventum probationis é a imutabilidade do comando judicial da sentença proferida em processo cuja forma de procedimento cognitivo empregado foi plena e exauriente segundo o resultado das provas (secundum eventum probationis) existentes até o momento da prolatação da sentença, razão pela qual se permite nova apreciação judicial desde que existam provas novas, surgidas a partir desse momento.

Todos os regramentos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum probationis são omissos quanto ao conceito de prova nova. Parcela majoritária da doutrina entende que não se deve confundir nova prova com prova superveniente, surgida após o término da ação coletiva. Por esse entendimento, seria nova a prova, mesmo que preexistente ou contemporânea à ação coletiva, desde que não tenha sido nesta considerada. Assim o que interessa não é se a prova existia ou não na época da demanda coletiva, mas se foi ou não apresentada durante seu tramite procedimental; será nova porque, no tocante à pretensão do autor, é uma novidade, mesmo que, em termos temporais, não seja algo recente. Esse entendimento muito se assemelha ao conceito dado pela melhor doutrina, ao fato novo como fundamento da liquidação de sentença por artigos. O adjetivo “novo” não é utilizado para designar um fato ocorrido após o término da demanda em que se formou o título executivo, mas sim como novidade ao Poder Judiciário, por não ter sido objeto de apreciação em tal processo. O fato, portanto, assim como a “nova prova” nas ações coletivas, poderá ser anterior, concomitante ou posterior à demanda judicial; para ser adjetivado de novo, basta que não tenha sido objeto de apresentação pelas partes e de apreciação pelo juiz (Neves, 2021).

Uma das razões para admitir a coisa julgada secundum eventum probationis nas demandas que tenham como objeto direitos difusos ou coletivos é evitar que, por meio fraudulento entre as partes processuais, se obtenha uma decisão de improcedência. De qualquer forma, o pensamento ao menos se mostra bastante correto quando sedimentada a ideia de que, ao surgir prova que não existia ou que era impossível de obter na época da ação coletiva, sua apresentação será suficiente para permitir a propositura de um novo processo com os mesmos elementos da ação anterior. Nesse caso evidentemente, não será possível defender a corrente doutrinária que exige do juiz a indicação, expressa ou implícita, de ter um julgamento de improcedência decorrido de ausência ou insuficiência de provas. Não sabendo da existência da prova porque não era possível a sua obtenção, o que só veio a ser possibilitado, por exemplo, pelo avanço tecnológico, não haveria possibilidade lógica de o juiz considerar tal circunstância em sua decisão (Neves, 2021).

Assim, a coisa julgada secundum eventum probationis é aquela que só se forma apenas em caso de esgotamento das provas: se a demanda for julgada procedente, que é sempre com esgotamento de prova, ou improcedente com suficiência de provas. A decisão judicial só produzirá coisa julgada se forem exauridos todos os meios de prova. Se a decisão proferida no processo julgar a demanda improcedente por insuficiência de provas, não haverá a formação de coisa julgada. A coisa julgada é, também, aqui, pro et contra, pois surge independentemente do resultado da demanda, mas poderá ser revista se houver outra prova. Mitiga-se a eficácia preclusiva da coisa julgada material. Na verdade, a decisão é considerada uma decisão sem enfrentamento do mérito, a questão não é decidida ou é decidida sem o caráter de definitividade em face de a própria cognição revelar-se secundum eventum probationis (Didier Jr. e Zaneti Jr., 2023).

9.      LIMITE TERRITORIAL DA COISA JULGADA

A ação coletiva evidencia-se como um mecanismo de pacificação de conflitos, impactando diretamente nas ações individuais. O regime jurídico da coisa julgada, anteriormente delineado pela Lei da Ação Popular e pela Lei da Ação Civil Pública, foi robustecido com a introdução do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ampliando os limites do instituto para favorecer os titulares de direitos em um contexto individual.

Por um lado, a expansão dos limites subjetivos da coisa julgada demonstra que a resolução aplicada à ação coletiva deve ser estendida a todos os detentores do direito coletivo lato sensu afetado, conforme refletido pela escolha legislativa de conferir efeitos erga omnes ou ultra partes.

De outro lado, destaca-se o funcionamento distinto do instituto no processo coletivo, que cria uma proteção para a coletividade ao evitar que o resultado de uma ação de grupo afete o âmbito individual, exceto para conferir benefícios, em uma clara extensão secundum eventum litis. Essa constitui a regra geral, embora haja exceções específicas, como o caso do litisconsorte habilitado em ações destinadas a proteger direitos individuais homogêneos.

O artigo 16 da Lei nº. 7347/1985, alterada pela Lei 9494/1997, estabeleceu uma limitação da coisa julgada à competência territorial do órgão prolator da decisão, senão vejamos:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Esta redação resultou da reforma de 1997, quando o Governo Federal promulgou a Medida Provisória nº 1.570/97, que, após múltiplas reedições, foi convertida na Lei nº 9.494/1997. Com isso, efetivou-se a tentativa de dividir a coisa julgada em ações coletivas, visando claramente restringir a tutela coletiva e a eficácia de suas decisões. Tal medida é, portanto, claramente inconstitucional. Mesmo uma Emenda à Constituição não poderia suprimir o acesso à justiça de parte do grupo por motivos territoriais, uma vez que isso violaria a garantia fundamental estabelecida no artigo 5º, inciso XXXV[10], da CF (Didier Jr. e Zaneti Jr., 2023).

Na concepção de Pizol (2019, pág. 441), a redação dada ao artigo 16 da LACP, alterado pela Lei nº. 9494/97, foi ineficaz, pois “a coisa julgada guarda relação com o dispositivo da sentença, que, por sua vez, deve ser congruente ao pedido qualificado pela causa de pedir; assim, o que pode definir o alcance da coisa julgada é o pedido e não a competência”[11].

As críticas doutrinárias baseiam-se, resumidamente, em quatro argumentos principais, cada um dos quais, por si só, é suficiente para demonstrar a inviabilidade de limitar territorialmente a coisa julgada coletiva à competência territorial do órgão que proferiu a decisão. Assim Zaneti Jr. et al (2020, np.)  leciona: 

a) Os dispositivos são ineficazes porque, entre a ação civil pública e o Código de Defesa do Consumidor, vige um sistema imbricado de dispositivos (art. 21, LACP, e art. 90, CDC), de forma que a incidência do art. 103 do CDC (eficácia erga omnes da coisa julgada coletiva) ao sistema de tutela coletiva impede a interpretação que confere limitação territorial para eficácia erga omnes da decisão proferida em ação civil pública, quer esteja fundada na LACP, quer no CDC.12

b) Os dispositivos são desproporcionais e irrazoáveis (e, logo, inconstitucionais), pois não partem de uma necessidade oposta de tutela de direitos fundamentais e impõem exigências absurdas, bem como permitem o ajuizamento simultâneo de tantas ações civis públicas quantas sejam as unidades territoriais em que se divida a respectiva Justiça, mesmo que sejam demandas iguais, envolvendo sujeitos em igualdade de condições, com a possibilidade teórica de decisões diferentes e até conflitantes em cada uma delas. Dessa forma, atentam contra os objetivos de economia processual, segurança jurídica e efetividade da tutela jurisdicional coletiva.

c) Há equívoco na técnica legislativa, que acaba por confundir competência, como critério legislativo para repartição da jurisdição, com coisa julgada e a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, apanágio da jurisdição, que é una em todo o território nacional (art. 16, CPC). Por essa razão, aplicam-se aqui as ideias de Enrico Tullio Liebman e deve ser efetuada a distinção entre autoridade da coisa julgada e eficácia da sentença.

d) Existe a ineficácia da própria regra de limite territorial da competência em si, vez que o legislador estabeleceu expressamente no art. 93 do CDC (lembre-se, aplicável a todo o sistema das ações coletivas) que a competência para julgamento de ilícito de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos Estados ou no Distrito Federal; portanto, nos termos da própria lei, ampliou a “jurisdição do órgão prolator”.

Nesta mesma linha, Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023) ressaltam que mesmo limitando-se a coisa julgada, o que importa, para fins de extensão territorial, é o conteúdo do que foi estabilizado, que vai além dos limites territoriais do órgão prolator por sua própria natureza. Isto explica, por exemplo, porque uma sentença coletiva que tenha determinado a extensão subjetiva erga omnes para todo o território nacional não possa ser modificada em sede de liquidação e execução para se aplicar os limites territoriais: os efeitos da sentença proferida em ação coletiva não estão limitados a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido.

Assim, nota-se uma clara confusão entre os conceitos de coisa julgada e competência territorial, o que torna a alteração legislativa ineficaz. Para ilustrar, consideremos o seguinte exemplo: uma sentença de divórcio proferida em São Paulo não deixa de ter efeito no Paraná, evidenciando que se trata de uma questão de competência territorial e não de coisa julgada.

Registra-se, ainda, o entendimento defendido pela doutrina da revogação tácita do artigo 16 da Lei 7347/85 com a implementação do Código de Defesa do Consumidor. Mendes (2014) argumenta que, com o advento do Código, a regulação dos efeitos do julgamento e da coisa julgada foi integralmente subsumida pelo artigo 103, na medida em que esse estabeleceu um sistema alinhado à nova divisão tripartite dos interesses coletivos, tornando obsoleto o artigo 16 da Lei 7.347/85, considerando-se revogado com base no artigo 2º, §1º, da parte final da Lei de Introdução ao Código Civil. Assim, houve um erro claro do legislador ao tentar modificar um dispositivo que já não estava mais em vigor.

Assim, caso ainda se argumente que o artigo 16 permaneceu em vigor após o advento do CDC, seria essencial reconhecer sua inutilidade, dado que o artigo 103 do Código não foi modificado e é vigente e eficaz, uma vez que o regime jurídico das ações coletivas é único, como demonstrado no estudo do microssistema processual coletivo.

Deve-se acrescentar que, mesmo sem considerar a mencionada interação, a Lei de Ação Civil Pública seria aplicável somente em casos de direitos difusos e coletivos, pois os direitos individuais homogêneos não são expressamente mencionados. Além disso, conforme Pizzol (2019) destaca, sendo aplicável apenas em casos de direitos difusos e coletivos “stricto sensu“, o artigo 16 incidirá apenas em situações de direito difuso, pois para o direito coletivo “stricto sensu“, a coisa julgada seria “ultra partes” e não “erga omnes” (artigo 103, II, do CDC).

Por fim, seria inaceitável aplicar o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública a casos que envolvam relações de consumo, pois a regra aplicável seria o artigo 103 do CDC, seguindo o princípio da especialidade.

Por todas estas razões, é inadmissível a limitação da coisa julgada erga omnes aos limites da competência do órgão prolator da decisão, uma vez que tal restrição violaria as normas constitucionais e a sistemática de tutela coletiva dos direitos.

9.1.            CASO: TEMA 1075 DE REPERCUSSÃO GERAL

O caso em questão tratou de uma ação coletiva ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) contra a Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander. A ação questionava a legalidade das cláusulas em contratos de financiamento celebrados no âmbito do Sistema Financeiro Habitacional.

No primeiro grau, o juízo concedeu a antecipação de tutela, suspendendo a validade das cláusulas contratuais impugnadas, bem como as execuções judiciais em andamento. Interposto um agravo de instrumento que, dentre outros pontos, debatia a limitação territorial das decisões em ações coletivas. O Tribunal Regional da 3ª Região, ao analisar o recurso, descartou a aplicação do artigo 16 da Lei nº 7.347/1985 ao caso, fundamentando que os interesses envolvidos eram de grande abrangência e, por isso, os direitos reconhecidos não deveriam ser confinados ao âmbito regional. Após Recurso Especial e uma decisão desfavorável no Superior Tribunal de Justiça, os réus entraram com Recurso Extraordinário (Didier Jr. e Zaneti Jr, 2023).

O julgamento do Recurso Extraordinário nº. 1.101.937/SP, Tema 1075/STF, foi concluído em 08/04/2021, reconhecendo a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei nº. 7347/1985, alterada pela Lei. 9494/1997, por ostensivamente restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas. Segue a ementa do julgado:

CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 16 DA LEI 7.347/1985, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.494/1997. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR. REPERCUSSÃO GERAL. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS.

1. A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua pela efetividade.

2. O sistema processual coletivo brasileiro, direcionado à pacificação social no tocante a litígios meta individuais, atingiu status constitucional em 1988, quando houve importante fortalecimento na defesa dos interesses difusos e coletivos, decorrente de uma natural necessidade de efetiva proteção a uma nova gama de direitos resultante do reconhecimento dos denominados direitos humanos de terceira geração ou dimensão, também conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade.

3. Necessidade de absoluto respeito e observância aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional.

4. Inconstitucionalidade do artigo 16 da LACP, com a redação da Lei 9.494/1997, cuja finalidade foi ostensivamente restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas, limitando o rol dos beneficiários da decisão por meio de um critério territorial de competência, acarretando grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, bem como à total incidência do Princípio da Eficiência na prestação da atividade jurisdicional.

5. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “I – É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II – Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III – Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas”.

Didier Jr. e Zaneti Jr. (2023, p. 545), consideram este precedente um dos mais importantes da história do desenvolvimento jurisdicional do Direito Coletivo no Brasil, “A decisão se soma a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para reforçar entendimento que confere ampla eficácia à tutela jurisdicional coletiva, o que deve ser tomado como diretriz para a interpretação das normas que regem o microssistema da tutela coletiva no Brasil”.

10.   Conclusão

Os aspectos abordados ao longo do estudo, deixa evidente a complexidade e a importância do instituto da coisa julgada tanto nas demandas individuais, quanto no processo coletivo. A coisa julgada, ao assegurar a imutabilidade e a segurança jurídica das decisões judiciais, desempenha um papel de extrema importância na proteção dos direitos coletivos e na efetivação do acesso à justiça.

As demandas coletivas são efetivadas pelo microssistema de direitos coletivos, tendo sua base, principalmente estabelecida no Código de defesa do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública e nas outras legislações destinadas à tutela coletiva.

A análise aqui realizada, revelou que a coisa julgada no processo coletivo difere substancialmente da aplicação na tutela individual. No âmbito coletivo, os efeitos da coisa julgada podem se estender erga omnes, ultra partes ou inter partes, dependendo da natureza do direito litigioso, podendo ser difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo, bem como do resultado do julgamento. Essa diferenciação é essencial para garantir que os interesses da coletividade sejam devidamente protegidos sem afetar os direitos individuais.

Há, também, a possibilidade da coisa julgada secundum eventum probationis. Essa forma se mostra relevante em casos de improcedência por insuficiência de provas, que permite novas ações sejam propostas com base em novas provas, assegurando que a justiça não seja comprometida por limitações probatórias momentâneas. Já na coisa julgada secundum eventum litis, as pretensões individuais dos particulares beneficiam-se das vantagens advindas da decisão de procedência da demanda coletiva, tendo, assim, efeito erga omnes. Por outro lado, em caso de improcedência da ação coletiva, as pretensões individuais dos particulares não são prejudicadas, ou seja, são abrangidos secundum eventum litis.

A análise realizada no artigo, revelou que o instituto da coisa julgada nas tutelas coletivas, mostra um equilíbrio entre a necessidade de estabilidade das decisões judiciais e a flexibilidade necessária para a proteção efetiva dos direitos coletivos e individuais.

Por fim, foi apresentado o julgamento realizado pela Corte Suprema, de extrema importância para as tutelas coletivas. O decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 1.101.937/SP, Tema 1075/STF, reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei nº 7.347/1985, reforçando a importância de que não se restrinja a coisa julgada erga omnes pelos seus limites territoriais, promovendo assim uma tutela jurisdicional mais ampla, justa e efetiva para os direitos coletivos no sistema jurisdicional brasileiro.

Portanto, conclui-se que a coisa julgada no processo coletivo se apresenta como um instrumento essencial para a realização da justiça e a proteção dos direitos no Estado Democrático de Direito, cumprindo a função de garantir a segurança jurídica e a efetividade das decisões judiciais em favor da coletividade, bem como transmitindo à sociedade a confiança nas decisões do Poder Judiciário, legitimidade e a certeza que a estabilidade do direito são elementos estruturantes das relações sociais presentes e futuras.

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[1] Advogado e especializando do Curso de Especialização em Direito Processual Civil do Programa de Pós-Graduação em Direito da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: yscarpari@gmail.com.

[2] Professor Adjunto de Direito Processual Civil na Graduação e Mestrado da Universidade Federal do Espírito Santo. Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Torino (2014). Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005). Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo. E-mail: hermeszanetijr@gmail.com.

[3] Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso. (BRASIL, 2015).

[4]  Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

[5]  Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

[6] I. Limites subjetivos da coisa julgada. De acordo com o art. 506 do CPC/2015, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. A coisa julgada pode beneficiar terceiros, em hipótese em que incidam os princípios pertinentes ao litisconsórcio unitário – ou, ao menos, a solução de unitariedade em relação a uma determinada questão (a respeito, cf. comentário ao art. 117 do CPC/2015). A coisa julgada não beneficia terceiro que esteja em situação jurídica apenas similar. Assim, p. ex., “os limites da coisa julgada não podem ser extrapolados sob o fundamento de isonomia entre servidores, tendo em vista que a igualdade deve ser reconhecida com base nas leis, e não com base nas decisões judiciais” (STJ, AgRg no Ag 1039810/RS, 6.ª T., j. 26.08.2008, rel. Min. Jane Silva); “Em sentença proferida em mandado de segurança, foi assegurado aos engenheiros do extinto Departamento de Estradas de Rodagem do Maranhão – DER/MA o direito à irredutibilidade de vencimentos, nos termos do art. 37, XV, da Constituição Federal. Assim, extrapola os limites da coisa julgada o acórdão que, fundamentado em tal decisão, confere aos servidores gratificação concedida aos procuradores do Estado. Inteligência do art. 468 do CPC [de 1973]” (STJ, REsp 864.717/MA, 5.ª T., j. 15.04.2008, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima). A coisa julgada, de todo modo, não prejudica terceiro (cf., no entanto, comentário infra, deferente ao tratamento diferenciado relacionado às ações coletivas). Sobre transcendência dos motivos determinantes, cf. comentário ao art. 504 do CPC/2015 (Medina, José Miguel Garcia, Novo Código de Processo Civil comentado[livro eletrônico]: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 1.ed. – São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 757).

[7] O conceito de “prova nova” segundo de Gidi: A apresentação de nova prova é critério de admissibilidade para a repropositura da ação coletiva. Por isso, o autor coletivo deve manifestar, logo na petição inicial, a prova que pretende produzir. Deverá então o magistrado, “in limine litis”, convencer-se de que a prova é efetivamente nova e poderá ensejar, ao menos potencialmente, uma decisão diversa. GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 135.

[8] Compreende ainda a legislação uma exceção concernente à chamada declaração incidental. Diz o CPC no art. 470 que “faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide”. Entende-se que questões prejudiciais são aquelas seriam passíveis de discussão num processo autônomo, entretanto surgem num outro processo como antecedentes da questão principal do mérito, demandando, por isso, solução anterior 31. Cite-se o exemplo consagrado da relação de parentesco como prejudicial ao pedido de alimentos.

[9] Ementa do REsp 1.110.549-RS: RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE. 1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. 2. Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008). 3.- Recurso Especial improvido.

[10] Art. 5º, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[11] Neste mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EFEITOS DA SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO COLETIVA. ART. 2º-A DA LEI 9.494/97. INCIDÊNCIA DAS NORMAS DE TUTELA COLETIVA PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI 8.078/90), NA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI 7.347/85) E NA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA (LEI 12.016/2009). INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. LIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA COISA JULGADA AO TERRITÓRIO SOB JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR DA SENTENÇA. IMPROPRIEDADE. OBSERVÂNCIA AO ENTENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE ESPECIAL NO JULGAMENTO DO RESP. 1.243.887/PR, REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA, E PELO STF QUANTO AO ALCANCE DOS EFEITOS DA COISA JULGADA NA TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS. 1. Na hipótese dos autos, a quaestio iuris diz respeito ao alcance e aos efeitos de sentença deferitória de pretensão agitada em Ação coletiva pela Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social. A controvérsia circunscreve-se, portanto, à subsunção da matéria ao texto legal inserto no art. 2º-A da Lei 9.494/1997, que dispõe sobre os efeitos de sentença proferida em ação coletiva, haja vista que o acórdão objurgado firmou entendimento no sentido de que o decisum alcança apenas aqueles substituídos que, no momento do ajuizamento da ação, tinham endereço na competência territorial do órgão julgador (fl. 318/e-STJ). 2. A res iudicata nas ações coletivas é ampla, em razão mesmo da existência da multiplicidade de indivíduos concretamente lesados de forma difusa e indivisível, não havendo que confundir competência do juiz que profere a sentença com o alcance e os efeitos decorrentes da coisa julgada coletiva. 3. Limitar os efeitos da coisa julgada coletiva seria um mitigar exdrúxulo da efetividade de decisão judicial em ação coletiva. Mais ainda: reduzir a eficácia de tal decisão à “extensão” territorial do órgão prolator seria confusão a técnica dos institutos que balizam os critérios de competência adotados em nossos diplomas processuais, mormente quando – por força do normativo de regência do Mandado de Segurança (hígido neste ponto) – a fixação do Juízo se dá (deu) em razão da pessoa que praticou o ato (ratione personae). 4. Por força do que dispõem o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública sobre a tutela coletiva, sufragados pela Lei do Mandado de Segurança (art. 22), impõe-se a interpretação sistemática do art. 2º-A da Lei 9.494/97, de forma a prevalecer o entendimento de que a abrangência da coisa julgada é determinada pelo pedido, pelas pessoas afetadas e de que a imutabilidade dos efeitos que uma sentença coletiva produz deriva de seu trânsito em julgado, e não da competência do órgão jurisdicional que a proferiu. 5. Incide, in casu, o entendimento firmado no REsp. 1.243.887/PR representativo de controvérsia, porquanto naquele julgado já se vaticinara a interpretação a ser conferida ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (alterado pelo art. 2º-A da Lei 9.494/97), de modo a harmonizá-lo com os demais preceitos legais aplicáveis ao tema, em especial às regras de tutela coletiva previstas no Código de Defesa do Consumidor. 6. O Supremo Tribunal Federal ratificou o entendimento de que que os efeitos da substituição processual em ações coletivas extravasam o âmbito simplesmente individual para irradiarem-se a ponto de serem encontrados no patrimônio de várias pessoas que formam uma categoria, sendo desnecessária a indicação dos endereços onde se encontram domiciliados os substituídos, uma vez que, logicamente, os efeitos de eventual vitória na demanda coletiva beneficiará todos os integrantes desta categoria, independente de onde se encontrem domiciliados. (MS 23.769, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 3/4/2002, DJ 30/4/2004). 7. A demanda está relacionada com a defesa de direitos coletivos stricto sensuque, embora indivisíveis, possuem titulares determináveis. Os efeitos da sentença se estendem para além dos participantes da relação jurídico-processual instaurada, mas limitadamente aos membros do grupo que, no caso dos autos, são os associados da parte recorrente. 8. Nesse sentido: AgRg no AgRg no AgRg no REsp 1.366.615/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 26.6.2015). 9. Agravo Regimental não provido. (grifo nosso).

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